ORDEM DOS
ADVOGADOS DO BRASIL-SECCIONAL DO MARANHÃO
TERCEIRA CÂMARA
DELIBERATIVA
PROC. 1963/2012
Requerentes: Antonio Rodrigues
Monteiro Neto e Walderlene Sousa Lima
Requerido: Delegado de Polícia José
Luis Pires Sampaio
Conselheiro Relator: Erivelton Lago
RELATÓRIO
Os
advogados Antonio Rodrigues Monteiro Neto e Walderlene Sousa Lima, protocolaram
representação contra ato do Delegado de Polícia da cidade de São Bernardo/MA,
José Luis Pires Sampaio, devido ao fato de no dia 04 de outubro de 2012, ter ele
desrespeitado as suas prerrogativas em momento de pleno exercício da advocacia
naquele município. Disseram os representantes que o representado não permitiu o
livre exercício da advocacia em prol dos familiares do senhor Fernando Pereira
da Silva, que foi vítima de crime de homicídio por parte de policiais daquela
cidade. Segundo a representação, tudo aconteceu quando a vítima reclamou do volume
do som de um “carro de som” pertencente ao prefeito da cidade que teria sido
eleito recentemente; que a vítima, acometido de doença mental, jogou várias
pedras no referido veículo e isso levou o motorista a chamar a polícia que
chegou ao local. Nesse momento, a vítima refugiou-se dentro de casa tendo a
polícia arrombado a porta e desferido vários tiros nela provocando a sua morte.
Os
representantes, na qualidade de advogados da família da vítima, foram à
delegacia pedir providências ao Delegado e solicitar cópias do inquérito para
que pudessem confeccionar as suas alegações junto ao poder judiciário. O
representado, por sua vez, obstacularizou o trabalho dos advogados, não
permitiu acesso aos autos e tratou mal os causídicos chegando até a gritar com
eles em total desrespeito aos representantes.
O
representado foi notificado a responder aos termos da representação. Às fls 09
dos autos, ele respondeu dizendo que não tratou mal os advogados; que a
representante Walderlene é ativista política na cidade; que tudo começou por
culpa da vítima cliente dos representantes; que os policiais que foram à casa
da vítima foram Daniel Carvalho, Edilmar Viana (carcereiro) e um auxiliar
administrativo Francisco José Ribeiro, esses foram ao local da ocorrência
juntos com os PMs José Albeci e Willame Viana; afirmou que houve falta de
comando na operação policial; que o número de policiais foi pouco; que houve
desencontro de decisões; que não negou a cópia dos autos à advogada Walderlene,
pois já teria dado cópia ao outro representante Antonio Rodrigues Monteiro Neto,
que trabalha no mesmo escritório da advogada. Finalmente, afirmou o
representado, que não prevaricou no exercício da sua função e, também, não
desrespeitou as prerrogativas dos advogados.
O
representado juntou aos autos cópia das declarações do pai da vítima. Às fls
18v dos autos consta despacho da minha lavra no sentido de notificar os
representantes a respeito da defesa do representado. Às fls 22/36, tréplica da
advogada Walderlene Sousa Lima ratificando o inteiro conteúdo da sua
representação juntando, inclusive, a gravação em vídeo e áudio de todo o
ocorrido.
É o
relatório, no que necessário.
Inicialmente,
entendo que toda a legislação relacionada ao exercício do poder de polícia, não
é dirigida especificamente a advogados. Manter a ordem, o decoro, dirigir os
trabalhos, conceder vistas de inquéritos a advogados, não diz respeito apenas a
advogados, mas a todas as pessoas que buscam os serviços da polícia. Assim
sendo, pergunta-se: solicitar cópias de inquéritos para instruir futuro
processo é falta de respeito às autoridades policiais? Insistir com os
delegados de polícia sobre a necessidade de manuseio de autos em andamento nas
delegacias é tumultuar uma possível investigação policial? Claro que não, o
advogado é um profissional liberal, bacharel em Direito e autorizado pelas instituições competentes
(OAB) a exercer o jus
postulandi, ou seja, a
representação dos legítimos interesses das pessoas físicas ou jurídicas em juízo ou fora dele, quer entre si, quer ante o Estado. O
advogado é uma peça essencial para a administração da justiça e instrumento básico para assegurar a defesa dos interesses das
partes em juízo.
Quando se
trata da atividade do profissional do direito no âmbito das delegacias e dos
inquéritos policiais inteligência da Súmula
Vinculante 14 trata do assunto,
conforme se demonstra abaixo:
É DIREITO
DO DEFENSOR, NO INTERESSE DO REPRESENTADO, TER ACESSO AMPLO AOS ELEMENTOS DE
PROVA QUE, JÁ DOCUMENTADOS EM PROCEDIMENTO INVESTIGATÓRIO REALIZADO POR ÓRGÃO
COM COMPETÊNCIA DE POLÍCIA JUDICIÁRIA, DIGAM RESPEITO AO EXERCÍCIO DO DIREITO
DE DEFESA.
Os
advogados estavam no pleno exercício da advocacia, há, é verdade, diligências
que devem ser sigilosas, sob o risco do comprometimento do seu bom sucesso.
Mas, se o sigilo é aí necessário à apuração e à atividade instrutória, a
formalização documental de seu resultado, o andamento do inquérito e o manuseio
dos autos não pode ser subtraído ao indiciado, à vítima e nem ao advogado. Os
atos de instrução ou de investigação, enquanto documentação dos elementos
retóricos colhidos, devem estar acessíveis ao indiciado e ao defensor, à luz da
Constituição da República, que garante à classe dos acusados, na qual não deixam
de situar-se o indiciado, o investigado ou familiares da vítima, o direito de
acesso aos autos.
O
sigilo, por si só, atinge a defesa, frustra-lhe, por conseguinte, o exercício
pleno da advocacia seja qual for o lado em que o causídico esteja atuando. Por
outro lado, o instrumento disponível para assegurar a intimidade dos
investigados (...) não figura título jurídico para limitar a defesa nem a
publicidade, enquanto direitos das partes. Por isso, a autoridade que investiga
deve, mediante expedientes adequados, aparelhar-se para permitir que a defesa
de qualquer das partes tenha acesso, pelo menos, ao que diga respeito ao seu
constituinte. O que não se revela constitucionalmente lícito,
segundo se entende, é impedir que as partes, seja o investigado, seja a vítima
ou seus familiares tenham pleno acesso aos dados probatórios, que, já
documentados nos autos (porque a estes formalmente incorporados), veiculem
informações que possam revelar-se úteis ao conhecimento da verdade real e à
condução da defesa ou do advogado que atua como assistente da acusação.
Na
verdade, a advocacia no âmbito da defesa criminal, tem se visto com muita
freqüência na Suprema Corte do Brasil, em inúmeras decisões, que o fascínio do
mistério e o culto ao segredo não devem estimular, no âmbito de uma sociedade
livre, práticas estatais cuja realização, notadamente na esfera da persecução
instaurada pelo Poder Público, culmine em ofensa aos direitos básicos à
informação.
A representante
Walderlene Sousa Lima juntou farta documentação demonstrando o que aconteceu
com o seu cliente no dia da sua morte. Anexou aos autos um pen drive com várias gravações onde os policiais que desferiram
tiros no seu cliente tramam um meio de se defenderem ou de se explicarem a
respeito da estabanada diligência que deu causa à morte da vítima. Tais
conversas entre os policiais demonstram claramente os reais motivos pelos quais
a advogada representante foi impedida de exercer a sua advocacia com liberdade
na delegacia do município de São Bernardo.
Por fim, a advogada
Walderlene Sousa Lima demonstrou que não estava agindo como uma ativista
política, mas como advogada em defesa dos direitos da família da vítima. Como
ela citou em sua representação, o delegado dificultou de todas as formas o seu
acesso aos autos, violando de forma patente as prerrogativas do advogado. Daí o
justo pedido de desagravo público.
No presente
caso, não há dúvida de que a representante foi humilhada, ofendida e
desmoralizada pela impostura do Delegado representado. Todavia, isso é prova do
quanto ainda é necessário avançar na luta pelo respeito às prerrogativas.
Entendo que
todo delegado de polícia deve está preparado para lidar com os advogados que
apenas cumprem com o mister de
representar as pessoas nos termos do EOAB e da Constituição Federal. Daí o
motivo pelo qual o Delegado representado errou ao tolher o direito da advogada
que agiu dentro do princípio do devido processo legal e no exercício pleno da
advocacia.
Prevê o
art. 18 do Regulamento Geral da OAB:
“O
inscrito na OAB, quando ofendido comprovadamente em razão do exercício
profissional ou de cargo ou função da OAB, tem direito ao desagravo público
promovido pelo Conselho competente, de ofício, a seu pedido ou de qualquer
pessoa.
§ 1º
Compete ao relator, convencendo-se da existência de prova ou indício de ofensa
relacionada ao exercício da profissão ou de cargo da OAB, propor ao Presidente
que solicite informações da pessoa ou autoridade ofensora, no prazo de quinze
dias, salvo em caso de urgência e notoriedade do fato.
§ 2º O
relator pode propor o arquivamento do pedido se a ofensa for pessoal, se não
estiver relacionada com o exercício profissional ou com as prerrogativas gerais
do advogado ou se configurar crítica de caráter doutrinário, político ou
religioso.
§ 3º Recebidas ou não as informações
e convencendo-se da procedência da ofensa, o relator emite parecer que é
submetido ao Conselho.
§ 4º Em
caso de acolhimento do parecer, é designada a sessão de desagravo, amplamente
divulgada.
§ 5º Na
sessão de desagravo o Presidente lê a nota a ser publicada na imprensa,
encaminhada ao ofensor e às autoridades e registrada nos assentamentos do inscrito.
Conforme
inteligência do § 1º do art. 18, do regulamento geral da OAB, o relator,
convencendo-se da existência da prova de que a ofensa está relacionada com o
exercício da profissão, pode propor ao Presidente do Conselho Seccional, que
solicite informações da pessoa ofensora. Ora, no presente caso, apesar da
manifestação da autoridade ofensora, me dou por convencido de que houve a
ofensa prevista no artigo 18 do regulamento geral da OAB. Assim sendo, VOTO
pela promoção do DESAGRAVO público em favor dos representantes.
São Luis,
MA, 02 de setembro de 2013
ERIVELTON
LAGO
Conselheiro
relator